segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Resenha de "Um teste de resistores" – Pedro Mexia

















Em 2008, Marília Garcia (n. Rio de Janeiro, 1979) coeditou, com Valeska de Aguirre, “A poesia andando: treze poetas no Brasil” (Cotovia). Alguns dos autores antologiados nesse volume foram tendo edição portuguesa a título individual, casos de Carlito Azevedo, Fabiano Calixto ou Aguirre. E agora saiu também “Um teste de resistores”, a quarta coletânea de Garcia, publicada no Brasil em 2014. Uma extraordinária sequencia de abertura, que acompanha um debate acadêmico sobre poesia, propõe o próprio poema que vamos lendo como uma espécie de comunicação a um congresso, bem como um comentário aos outros intervenientes. Em paralelo, M. G. Reproduz a correspondência mantida com a sua tradutora americana, e as dúvidas infindáveis sobre homofonias, pronomes ou formas verbais. Esses dois itinerários produzem um discurso erudito mas coloquial, sustentado numa impecável habilidade rítmica. E todos os poemas do livro procuram uma nova percepção das coisas, suscitando ligações ao cinema, nomeadamente a Godard, e aos poetas vanguardistas como Hocquard, Roubaud, Reznikoff, Bernstein, Girondo e Leminski, sem esquecer Adília Lopes. O mashup e outras técnicas digitais servem de estímulo adicional: “enumero as ferramentas que tenho à minha frente / enunciados filmes narrativas google / poemas recortados copiados à mão / traduções jornais um romance lembranças diversas / alguma chateação frases / que serão transportadas / um fone de ouvido (...)”. Longe do habitual cepticismo linguístico, “Um teste de resistores” manifesta um entusiasmo perante as possibilidades da linguagem poética, favorecendo processos como o corte, a montagem, a intertextualidade ou a hiperligação. Até a tendência narrativa é divagante e peripatética: deambulações sul-americanas e europeias, anedotas metamorfoseadas em teorias, circunstancias banais que se tornam performances. Marília Garcia define o poema como uma “descrição e compreensão do mundo”, um “documento poético”, testemunhal e imaginativo, subjectivíssimo e omnívoro. Um poema capaz de fazer faísca, como a resistência de um chuveiro que transforma a corrente de electrões em calor. Porque a poesia é resistência: uma resistência verbal, sem bravatas ou demagogias, mais verdadeira porque mais poética: “e eu descobri que o que esquenta a água / é a resistência.”

[07 de fevereiro de 2015, na Revista E]