terça-feira, 3 de novembro de 2015

Papel de bala



esse aqui é para a crítica papel de bala
como bem diz o ditado
que vista a carapuça
e o recado está dado

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Um amigo do tio -- Roberta Iannamico



Um amigo do tio
grandalhão
deitado na areia
um cachorro o acorda
se jogando em cima dele
me interessa principalmente
a parte em que o cara faz carinho
no cachorro
sarnento
cobrindo a mão
com as mangas do pulôver.

domingo, 4 de outubro de 2015

depois da marília – fabio saldanha






eu acho que a conexão da internet
quando falha
é um sinal claro
daqueles que a gente interpreta
como se dois mais dois pudesse
realmente dar peixe
eu acho que é nesse momento em que
a minha vontade de escrever
um poema narrativo
volta
na verdade a vontade
de escrever um poema narrativo
me persegue há muito tempo
 eu não sei se eu consigo escrever um poema
narrativo
e eu não sei se consigo porque
desde que eu fechei  o teste
com aquele NÃO em letras maiúsculas
eu fico duvidando da minha capacidade
de acabar narrando alguma coisa
que pudesse ser material poético
e eu sempre vou esquecendo
que a ideia do processamento
a partir da narração
vem da vontade de não apagar
os brancos que ficam
entre a minha parte do silêncio e
a sua –
(e na verdade eu cansei
de poemas que me dizem
só a respeito do que ficou
em um espaço
entre dois brancos
entre dois silêncios
entre o espaço da minha
boca na sua)
eu não sabia o que
poderia acontecer
quando eu fosse tentar
escrever o meu poema narrativo
mas a internet falhou
então eu escolhi
escrever agora
a respeito
dessa narratividade
porque
apesar de ser um pouco apagado
para a crítica em português
a ideia do –idade
como em –ivity
de subjectivity
traz consigo
o fazer
o escrever
essa ideia de que existe
algo fabricado
dentro da
por exemplo
subjetividade
eu venho filmando
ideias na minha cabeça
e esse poema
acabou sendo muito diferente do que
eu imaginava
eu agora tenho um problema na garganta
eu agora quero chorar a minha
garganta para fora
eu agora não sei se fico
ou vou embora porque
a ideia de me manter preso
em um único ponto
que me presentifica
dói
(e dói porque
a ideia do meu presente
ainda me liga diretamente
a todas as narrações que eu construo desde
o ano passado
 já faz um ano eu diria 
para ele se ele se importasse
se ele se importasse
talvez ele já soubesse
que eu lanço um livro cheio de poemas
para ele e ainda fico com essa coisa na garganta
porque aparentemente a ideia
dele não me sai da cabeça)
durante muito tempo eu me importei
em tentar tirar dos poemas que escrevia
os famosos lugares comuns
 mas não aqueles que fossem de fato
tidos como lugares comuns
da poesia enquanto gênero no senso
comum e coisa e tal;
eu dizia dos meus poemas
daquilo que eu escrevi
e em cento e vinte páginas
enviei;
eu me preocupava em saber
se no fundo
eu conseguiria dizer
para o leitor
aquilo que eu acredito ser a minha noção
de poesia
de literatura 
pra mim
a literatura
te mantém dentro do texto
e depois te tirar de lá
aos socos e pontapés
como somente
no início do ano
o NÃO da marilia
foi capaz de fazer
e desde então
eu persigo essa ideia de narrativ
idade
tentando
de alguma maneira
narrar algo que nos atravesse
mas ele me dirige os nervos
como um ônibus
enfurecido
no meio da cidade universitária
como fazem os motoristas
da última semana
quando eu
consegui:
bater as canelas
segurar na mão de um moço
                                    de quem não sei nem o nome
quase cair
deslizar para a ponta do banco até perceber que
a proteção que me separava do chão
estava levantada
                                    quase cair de um banco
num ônibus em alta velocidade
me faz lembrar
daquilo lá de cima
da literatura
                                    é a expulsão
é a expulsão ética
é a expulsão da geruza
eu continuo a pedir desculpas
enquanto percebo que não consigo
parar de performar autopsias
nas coisas que já sentia resolvidas
até que vi uma mensagem
(e mesmo que muitos
ainda considerem as redes
sociais como
um lugar
meio estranho)
estampada
n’um retweet que dizia
se agora me lembro
as pessoas que não saíram da sua
vida ainda tem alguma coisa
para te ensinar a respeito dela
 e eu acredito que nasça aí o problema
já que o que eu queria
era ser expulso da
vida que eu levo
e da narrativa
que eu venho construindo há um ano
talvez isso não valha a pena
e talvez o NÃO do teste ainda <não>
tenha sido de fato considerado por
mim um texto fundador
como uma raíz que faria de fato
algo mudar em mim
 mas isso me faz lembrar
que mesmo a raíz plantada
após o teste
nunca garantiria um resultado
igual, idêntico
semelhante
ao NÃO da marília
ele poderia me garantir um talvez
ou mais algum tempo
chorando enquanto eu ouço
pela quarta vez
a matilde lendo
conversa de fim de tarde após três anos de
                                                                             exílio
e dia dez
                                                             e eu mandei para ele
esses poemas
e ele agora
relembra e chora
como eu chorei
no minha pátria, minha língua
ao filmar
ela lendo pela primeira vez
(ninguém do meu lado
que estava comigo
conhecia a obra dela
somente trechos
somente traços
e isso foi suficiente
para que eu pedisse um abraço bem forte
ao sair daquele shopping
na faria lima
por não conseguir sequer saber
qual era o caminho de volta para
o metrô)
talvez essa narrativa
se baseie no único
fato de eu talvez não saber narrar
talvez o teste fosse mesmo
essa abertura que eu não esperava
e desde o início
eu disse

SIM





______________________

o fabio saldanha nasceu em 1993 em são carlos.
o fabio saldanha faz letras na usp e mora em são paulo.
o fabio publicou, ontem, seu primeiro livro, minha quarta xícara de café, pela editora pautá.
incluo esse poema na série de conversas com um teste de resistores  que postei por aqui.
quando o fabio me mandou o poema, eu queria escrever um texto para encerrar a série falando sobre poemas que conversam e que vão se desdobrando paralelamente. espero escrever ainda. mas por enquanto, encerro a série por aqui com este generoso SIM.


sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Furograma para blind light – Gabriela Capper



a gabriela capper fez esse belo furograma para o meu poema "blind light"
re-ordenando e deslocando 
os lugares pessoas perguntas escritores acidentes procedimentos
que aparecem no poema
o que fica é o furo? me perguntei ao ver a palavra furo piscando em várias dimensões
ela me contou também dos diagramas do ricardo basbaum
e fiquei com vontade de fazer um post sobre ele

incluo o "furograma..." na série de conversas com um teste de resistores
(que me alegra muito por estar crescendo!)
e queria dizer que fico feliz por essa conversa ter
ido para o vídeo para o furo para o diagrama
por ela ser uma conversa numa língua que eu nem imaginava que existia
numa linguagem que eu nem imaginava que eu pudesse compreender
obrigada, gabriela, pela conversa em furograma

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

[Agora termina o domingo...] – Leda Cartum



Agora termina o domingo:
é o primeiro domingo de agosto.
Hoje mais cedo fui à padaria
comprar velas e algo para comer
porque eu ia receber a Amanda
que chegaria dali a pouco;
tínhamos combinado de nos ver quando ela voltasse
de viagem. É que foi um encontro uma vez
no curso e depois no carro
que nos aproximou de uma forma firme e
forte. E ficamos de conversar mais
para trocar experiências mas
ontem cheguei em casa –
depois de também voltar de viagem –
e encontrei tudo escuro:
a Eletropaulo havia cortado a energia
por conta de uma conta de luz que não foi paga
três meses atrás.

A Amanda tinha me escrito
na sexta-feira
contando que tinha voltado
e sugerindo uma visita;
eu disse para ela: venha no domingo,
te recebo na minha casa.
Mas ontem cheguei
e a casa estava
sem luz.

Pensamos em marcar em outro lugar mas
por fim decidimos manter o encontro
com velas e sem luz.
Fui à padaria comprar velas
que eu não tinha em casa
e comprei também uma torta de palmito
e uma bandeja de doces árabes
para servir para a Amanda
que estava chegando.

Minha irmã subiu comigo até em casa:
veio pegar alguns quadros
que eu tirei da parede e ela quis levar
para pregar no quarto dela.
Na volta minha irmã cruzou com a Amanda:
elas se encontraram na porta do prédio;
uma saindo e a outra entrando
na minha casa sem luz.

A casa agora parece mais silenciosa,
alguma coisa muito antiga nessa falta de energia
com a qual recebi a Amanda;
com a qual nos sentamos para conversar;
que nos acompanhou durante a noite toda em que falamos
e falamos e falamos enquanto as velas queimavam
tanto que tivemos de acender outras –
outras que agora já estão quase no fim.

A Amanda acabou de sair:
ela estava com sono e
eu também um pouco cansada –
mas a conversa ia por tantos lados
tantos caminhos diferentes
que não sabíamos parar;
agora que ela foi embora
e a casa ficou vazia
e sem luz
eu não soube o que fazer no silêncio e
comecei a escrever.

Faz tempo que quero fazer um
poema assim:
contando.
Contando o que aconteceu.
Porque muitas das coisas que vêm –
que vêm no texto e fora do texto –
não são mais do que isso:
um relato do que foi o dia.
Como o que eu li uma vez num livro e
que me acompanhou até aqui
e depois, outra vez,
num blog;
escrever um relato –
um relato pensativo –
em versos:
de modo que o ocorrido adquire ritmo
próprio, como numa caminhada.

Faz tempo que quero contar dos
encontros que tenho tido
nesse ano longo e louco de
dois mil e quinze.
Parece que alguma coisa se abre
como uma clareira clara
no meio de uma floresta densa.
Cada encontro é uma descoberta
das coisas que eu nunca vi
perceber que as pessoas estão passando
por coisas como eu
e que passar pelas pessoas é também dar tamanho
às coisas por que passo;
perceber que as amizades são
a cada vez, a cada dia
uma coisa nova;
e que eu queria receber bem a Amanda na minha casa
porque estar sozinha me ensina a compreender
cada um dos encontro que tenho
como uma coisa muito preciosa.

Realmente trocamos muito:
falamos sem parar e cada ideia trazia
outra ideia
e outra
e outra.

Depois descobri que ela não está comendo
farinha branca
nem açúcar
por causa de um exercício em relação à gula:
nessa semana ela está tentando
se conter e perceber
o que é que realmente queremos
e o que achamos que queremos;
a gula – ela me disse –
é o medo de estar consigo mesmo.
(Acho que era assim
não tenho mais certeza
se eram essas as palavras que ela usou.)
Primeiro me senti mal por ter comprado,
justamente,
torta de palmito e doces árabes
para que comêssemos.
Depois entendemos juntas as escolhas
e rimos das escolhas
e continuamos a conversar
enquanto eu descascava a cera
da vela que já tinha grudado
no pires.

Muita coisa se cruza e fica
nesses diálogos noturnos
quando São Paulo é um mundo todo
cheio de outros mundos
que trazemos de volta das viagens
que fizemos e que nos trouxeram
de novo para cá.
Cada volta é tanta coisa –
mesmo a viagem tendo sido curta
(só três dias mas
a presença do mar parece que deixa uma camada a mais
salgada grudando na pele
que muda o jeito da gente ver as coisas) –
é tanto que fiquei mesmo impactada
quando entrei em casa de volta
e apertei o interruptor:
não funcionou;
a luz não acendeu;
e eu fui meio tropeçando até o quarto
e dormi num escuro mais escuro de sábado
para domingo;
pensando.

A Amanda me contou que lá na cachoeira enorme
onde ela estava
havia um coro que se sobrepunha à força
com que a água caía:
era um coro de vozes distantes
que eu quase ouvi quando ela contou –
umas vozes que não sei se vinham da cabeça dela
ou da cabeça de todo mundo
ou de cabeça nenhuma.

As vozes diziam:
obrigada
e repetiam
e depois diziam:
é de graça
e repetiam
e o tom subia
cada vez mais
e um refrão
foi se misturando
ao outro –
até que enfim
as vozes diziam:
obrigraça
e repetiam
e até apenas:
é de graça.

A Amanda cantou isso para mim quando
estávamos no meu quarto
com a vela parada sobre a cama
e os livros espalhados
que eu ia emprestar para ela.
Era um pouco como num filme
com aquela luz amarelada
e as sombras dançando;
era muita coisa boa
e difícil
e fácil
e grande –
tanto que eu quase consegui
ouvir o som da água
e o som do coro.
A gente pensou:
estar aqui nunca pode ser esquecer que
é possível estar em outro lugar;
e, ao mesmo tempo, também
estar aqui sempre tem que ser esquecer que
é possível estar em outro lugar.

(Não sei se pensamos isso aquela hora
ou se sou eu que estou pensando agora –
acho que não importa tanto.)

Ela partiu e levou
dois livros –
um deles é tão sagrado para mim que
eu nunca achei que iria emprestá-lo.

Mas ele foi e eu estou
contente.


_______________


a leda cartum é paulistana e mestranda em letras na usp. 

a leda cartum publicou em 2012 o livro 
as horas do dia - pequeno dicionário calendário (pela 7letras)
a leda me mandou esse lindo poema como uma espécie de conversa com o teste de resistores
e ela disse uma coisa bonita sobre a autonomia de algumas conversas poéticas
que vão se formando e sendo produzidas quase como numa caminhada
ou como esse relato em versos /que adquire ritmo
próprio/ e sai andando por aí.

"cada encontro é a descoberta das coisas que nunca vi."


estou tão feliz com essa antologia de conversas com o teste de resistores!

a poesia andando.

sábado, 25 de julho de 2015

Um satélite do teste de resistores – Pedro Cassel



em abril de 2013 quebrei o pé
sozinho em casa
dançando a canção "a chave" de bárbara eugênia

por conta disso eu fiquei seis semanas imobilizado
por conta disso eu tranquei quatro cadeiras da universidade
por conta disso eu assisti
por volta de quarenta filmes
no período de um mês e meio

por conta disso também
em maio de 2013
eu sabia muito mais sobre a nouvelle vague 
do que em março de 2013

os statements da nouvelle vague
e em especial os de jean-luc godard
sobre a singularidade da
linguagem cinematográfica
me impactaram de tal forma
que desde então
venho procurando semelhantes statements
em diferentes frentes

filmes que digam     :     isto é um filme
poemas que digam     :     isto é um poema
danças que digam     :     isto é uma dança

me parece que é justamente afirmando
a própria singularidade
e proclamando independência
que uma linguagem se faz apta
a dialogar com todas as outras
e
a partir de seu próprio centro gravitacional
torna-se fértil
profícua
maravilhosa
como um corpo celeste
que acumula satélites

em meados de 2014 li no blog de marília garcia
como prévia do livro um teste de resistores
um poema que
a partir da mesma referência godardiana
trazia ponderações muito semelhantes às minhas
         (o que faz do poema um poema?
         como construir um poema que se
         proclame enquanto tal?)

por conta disso tomei como prioridade
como parte da minha jornada intelectual pessoal
a leitura desse livro de marília garcia
mas por uma série de motivos
levei um ano para realizar
a leitura desse livro de marília garcia
que só fiz há um mês
em junho de 2015

um teste de resistores é um livro
-ensaio
sobre o que a poesia é
sobre o que a poesia pode ser
     mas não é um livro de teoria
     porque é um livro que põe em prática
     a reflexão que traz
um teste de resistores é um livro 
em que forma e conteúdo
se complementam
e justificam

a partir da leitura do livro um teste de resistores
muitas pessoas escreveram para marília
sobre a experiência que tiveram com o livro
na forma de poemas que seguem a uma
espécie de fórmula presente na obra:

              experiências pessoais    
              intercaladas
              com reflexões sobre a poesia
              dispostas em poemas prosados
              recortados
              e com pequenas repetições internas
              de palavras e expressões
              pequenas repetições internas
              que nos lembram que aquilo é um poema     
              pequenas repetições internas
              como as imagens insistentes
              nos filmes de jean-luc godard

como a marília garcia
eu gosto muito de escrever poemas
e também quero construir statements
de singularidade
mas meu caminho não tem sido o mesmo que o dela
eu me aproximo muito mais da poesia concreta
por exemplo
que tem a mesma preocupação
só que de um jeito diferente

mas foi mais que gratificante
a leitura de um teste de resistores
como foi gratificante a escrita desse poema
que agora envio num email
para a marília garcia
e para minha amiga maria


___________________

o pedro cassel mora em porto alegre e é compositor.
o pedro cassel me mandou por email este satélite do teste de resistores 
ele fala sobre alguns tipos de statements
como por exemplo
alguns poemas que dizem eu sou um poema
alguns satélites que dizem eu sou um satélite
-- dizendo o que faz e fazendo o que diz.
como se eu dissesse aqui nessa nota ao poema
estou fazendo uma nota ao poema
assim este satélite nomeia a própria conversa-com-o-teste-de-resistores
(além de nomear também esta outra conversa que estou subindo aqui no blog)

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Para Marília Garcia – Julia de Souza











em janeiro de 2015
acordei um dia com os olhos inchados
as pálpebras vermelhas e irritadas
fui na dermatologista que pareceu um pouco espantada
e disse que eu estava com uma reação alérgica
que tinha provocado uma descamação importante
era muito difícil descobrir a causa
podiam ser os pelos das gatas que se acumularam
na casa durante os 10 dias que passei na praia
podia ser o calor que fazia em são paulo
podia ser o gás lacrimogêneo que inalei
quando tentei chegar ao protesto do mpl
na avenida paulista
podia ser algum cosmético mesmo os que você sempre usou
disse ela e também podia ser emocional

em janeiro de 2015 a dermatologista
doutora virgínia
receitou um creme com corticoides
para as minhas pálpebras
aos meus olhos eu estava muito feia
e muito perto do fracasso

em janeiro de 2015
quando retomei a leitura de um teste de resistores
percebi como para alguns poetas o diálogo é importante
não um diálogo velado ou imaginado
não a simples apropriação de versos de outros poetas
mas um diálogo verdadeiro
uma troca de perguntas e impressões
uma troca de reflexões sobre os textos
que acabam sendo incorporadas a novos textos
de forma mais ou menos explícita
no caso do livro da marília
isso é bem explícito

em janeiro de 2015 eu percebi como estava sozinha
e alheia a esses diálogos
que existiam só na minha cabeça
e quis pensar/escrever como a marília
justapor ideias aparentemente estranhas
para formular questões afins

em janeiro de 2015 eu voltei a caminhar
e as caminhadas nunca duravam muito tempo
no máximo trinta minutos
porque fazia muito calor em são paulo.
depois de uma caminhada eu pedi o computador emprestado
ao meu irmão para começar a escrever este poema
que talvez seja um exercício de simetria
de imitação
um jeito de dizer
je suis quelq’un
je suis julia
je suis marilia

alguns dos poemas de um teste de resitores
são como contos
são como crônicas
são como ensaios
não só porque contam histórias
mas porque têm um ritmo de caminhada
uma caminhada hesitante
uma caminhada de alguém que para
e se pergunta

os poemas de um teste de resistores estão
cheios de perguntas
os poemas de um teste de resitores têm
uma clareza importante
uma clareza de quem sabe qual é
a pergunta qual é
o assunto

a minha amiga jasmin
não me lembro se em 2007 ou 2008
ou 2009 recortou letras grandes de papel craft
e colou no alto da parede da sala
a frase qual é o assunto?
sempre que eu ia à casa da jasmin
e lia aquela frase
ficava bastante intrigada
eu não sabia se ela tinha colado aquela frase
no alto da parede da sala
para falar da falta de sentido
para falar da falta de clareza ou
para falar do tédio
acho que conversamos sobre isso
acho que nem ela sabia a resposta
afinal a frase fala justamente de uma
indeterminação.

quando eu digo que o livro da marília garcia
tem uma clareza importante
fico pensando nessa palavra
importante
quando a doutora virgínia
usou a palavra importante
para descrever a descamação da minha pele
esse importante quer dizer notável
esse importante quer dizer algo que não pode ser ignorado
mas quando eu digo que o livro da marília garcia
tem uma clareza importante
esse importante quer dizer não só algo que importa
esse importante quer dizer alguma coisa que se quer ter

ter clareza é se deixar atravessar?

[o vidro tem uma clareza ambígua
porque podemos e não podemos atravessar o vidro]

é preciso ter clareza para escrever
ou a clareza acontece no ato da escrita?
a falta de assunto é algo próxima da clareza?

no texto “a visão do fundo do poço”, louise bourgeois escreveu:
“não sei o suficiente para falar”
é preciso saber para escrever?
é possível aprender alguma coisa ao escrever?
“é tão difícil aprender. o que nos impede de aprender?”, escreveu a louise bourgeois.

em janeiro de 2015 eu pensei nesses versos:
talvez vocês consigam atravessar esse verão
mas poderão me perdoar pelo meu fracasso?

no texto “a visão do fundo do poço”, louise bourgeois escreveu:
“os outros não a julgam nem mesmo sabem que você está aí”

janeiro de 2015 foi um mês
de teste de resistências
foi um mês que eu atravessei e
não atravessei



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a júlia de souza é autora do livro covil (2013, 7letras)
a júlia de souza é paulistana e faz mestrado em literatura brasileira na usp.
a júlia de souza me mandou esse lindo poema no sábado
e eu gostaria de incluí-lo na série de conversas-com-o-teste-de-resistores
depois que eu li o poema da julia
eu fiquei pensando
e afinal qual é o assunto?