domingo, 25 de março de 2012

Grandes mamíferos – Franklin Alves Dassie



1. Uma caixa

Eu é um rinoceronte, um hipopótamo –
um americano idiota espancando
latinos –
de repente, eu estava em todos os lugares
em todos os lugares
e numa caixa
Eu é uma caixa
Esta caixa contém o suco de quinze laranjas
e eu dentro
Esta caixa contém o suco de quinze rinocerontes
e um hipopótamo americano idiota
Esta caixa contém o suco de quinze latinos
espancados
Esta caixa com quarenta e seis pessoas
dentro, mais eu dentro,
não consegue nadar
impossível com tanto peso
disse um dos mamíferos
Impossível com tanta gente



2. Mastozoologia

Eu é alguém acima do peso normal.




3. Eu é um outro

Escrevam corretamente meu endereço
porque há um outro Rimbaud aqui
um outro, um Rimbaud
agente de viagens marítimas
Fizeram-me pagar 10 centavos
de taxa extra de franquia
porque meu endereço
não foi escrito
corretamente


  
4. Um nome

Um nome nunca é escrito corretamente –
Eu é uma pessoa que espera
uma terceira pessoa na esquina
Ele é um mamífero, alguém acima do peso normal:
uma caixa com eu dentro
um nome escrito errado –
Um nome escrito errado, se caixa fosse
caixote, se fosse um americano, de corpo atarracado,
em forma de barril, tentando escrever
Ele é a terceira pessoa, contando da esquerda
para a direita naquela fotografia –
Eu é alguém que escreve o endereço errado
num formulário
Um formulário é uma caixa de nomes
e endereços – uma caixa com o suco
de rinocerontes, hipopótamos, americanos idiotas
e franceses exilados no continente
africano – seria legal se o mundo se chamasse Pablo Picasso
mas é impossível com tanto peso
repetiu um dos mamíferos
Impossível com tanta gente




5. Outro nome
Não estou dirigindo muito bem ainda
a dor na perna esquerda dificulta-me
com os pedais –
talvez, depois dos remédios,
a situação fique melhor,
mas não acredito
 – impossível com tanto peso
impossível com este
trânsito



6. Quinze laranjas
Eu está submerso –
desligado de tudo que não eu mesmo
dentro de uma caixa com o suco de quinze laranjas:
pronto para beber
sem adição de açúcar
nem conservantes –
Eu tomo o suco de quinze laranjas
Eu-hipopótamo espancando
um americano idiota
na piscina de um hotel sul-africano cinco estrelas –
talvez melhore depois dos remédios
é provável que não
Eu é alguém acima do peso normal
que está em todos os lugares
que não precisa mais de casaco
já que uma camada adiposa extra é um casaco
– quinze laranjas no bolso
quinze pontos na perna doente
Eu não sinto mais frio
mas tenho uma sede infernal
resmungou outro mamífero
depois de tomar o suco de quinze
rinocerontes




7. Gran finale com gastrite

Uma caixa, dois nomes e quinze laranjas:
mastigue bem os alimentos
e lembre-se que a sede infernal é sintoma de alguma coisa
Eu é um mamífero –
a perna ainda dói, mas já tirei os pontos
Eu está em todos os lugares, sempre bem
acompanhado: rinocerontes, hipopótamos
americanos, latinos e franceses exilados
em hotéis cinco estrelas:
Depois do diagnóstico nada animador,
achei melhor desistir dos
refrigerantes, apesar de saber que uma caixa
com o suco de quinze laranjas
contém o suco de quinze latinos
espancados –
Impossível com tanta gente
não escrever
o endereço errado 



Franklin Alves Dassie nasceu em Niterói, em 1973, se é que não escrevi o endereço errado. Impossível com tanta gente. Franklin Alves Dassie é professor de Teoria da Literatura na UFF. Uma caixa dando para o mar, perto das barcas, com paralelepípedos no chão. Impossível com tanto lugar. O endereço errado não chegaria a gragoatá, impossível com esse trânsito todo. Publicou o livro de ensaio Sebastião Uchoa Leite, na coleção Ciranda da poesia e poemas em várias revistas. Este "Grandes mamíferos" saiu na página Risco [Prosa e verso/ O globo]. Impossível com tanta data.

4 comentários:

  1. Eu não sei o que houve com o meu comentário ante-
    rior mas eu só queria dizer: este poema me
    preencheu por toda uma tarde. Uma caixa com diversão garantida. Valeu, Marília, pela postagem. Valeu,Franklin, pelo poema.

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  2. olá, Antônio!
    só recebi aqui no blogger este comentário aí de cima – ao qual agradeço, aliás.
    também adoro esse poema do franklin...
    abçs, marília

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  3. Li o poema pela manhã, e estou com ele até agora.
    Bjs ao poeta e à anfitriã do blog.
    Nora

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  4. beijos pra você também, nora! feliz de receber sua visita aqui

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