domingo, 30 de outubro de 2011

Começo [excerto] – Nathalie Quintane






Desnecessário dizer o seu nome corretamente para saber que é este aí.


Com doze anos a chamaram de Barjavel (ela lia Barjavel).


O cão do clube dos cinco se chama Dagoberto.


Como aprender o nome das plantas se não as reconhecemos nas fotos.


Cães não receberam nomes mais singulares do que Rex.


Essa cadeira sem encosto se chama uma banqueta.


Que nome tomar se esquecemos o nosso.


Que nome tomar se esquecemos o nosso.


Que nome tomar se esquecemos o nosso.


O nome Pierre Boulez só é usado que eu saiba por Pierre Boulez.


Meu tio mesmo morto tem o mesmo nome.


Meu tio mesmo morto tem o mesmo nome.




Tradução de Paula Glenadel





A leitura acima é um fragmento do vídeo feito pela revista Java para comemorar seus 20 números de existência (o vídeo é do final dos anos 90. A foto ao lado é do número duplo 23/24). Neste número-em-vhs, a Java traz leituras de alguns poetas que tinham aparecido nas páginas da revista (Nathalie Quintane, C. Tarkos, Charles Pennequin etc.), depoimentos dos seus editores (Jean-Michel Espitallier, Vannina Maestri e Jacques Sivan) e de vários outros escritores, como Olivier Cadiot, Valère Novarina, Cristian Prigent etc. Podemos ver-ouvir Quintane lendo trechos do seu livro
Começo. Abaixo, segue o original do texto lido – a experiência de acompanhar a leitura dela com o original torna mais evidente o jogo de sons que a autora faz em alguns trechos, como a última frase ecoando o nome não-dito do tio (ecoando também o poema de wallace stevens).






Pas besoin de dire son nom correctement pour savoir que c'est celui-là.


A douze ans on l'appela Barjavel (elle lisait Barjavel).


Le chien du club des cinq s'appele Dagobert.


Comment apprendre le nom des plantes si on ne les reconnaît pas sur les photos.


Des chiens n'ont pas été doté des noms plus singuliers que Rex.


Cette chaise sans dossier s'appele un tabouret 


Quel nom prendre si on oublie le sien.


Quel nom prendre si on oublie le sien.


Quel nom prendre si on oublie le sien.


Le nom Pierre Boulez n'est utilisé à ma connaissance que par Pierre Boulez.


Mon oncle même mort a le même nom.


Mon oncle même mort a le même nom.





sábado, 22 de outubro de 2011

Para o livro de literatura de segundo grau – Hans Magnus Enzensberger




Não leias odes, meu filho, lê os horários
(dos trens, dos ônibus, dos aviões):
são mais exatos. Abre os mapas náuticos
antes que seja tarde demais. Sê vigilante, não cantes.
Chegará o dia em que eles, de novo, pregarão listas
no portão e desenharão marcas no peito daqueles que dizem
não. Aprende a ir incógnito, aprende mais do que eu:
a mudar de bairro, de passaporte, de rosto.
Entende da pequena traição,
da salvação suja de todos os dias. Úteis
são as encíclicas para se fazer fogo,
e os manifestos: para a manteiga e sal
dos indefesos. É preciso raiva e paciência
para se soprar nos pulmões do poder
o fino pó mortal, moído
por aqueles, que aprenderam muito,
que são exatos, por ti.


Tradução Kurt Scharf e Armindo Trevisan

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Modelo da teoria do conhecimento – Hans Magnus Enzensberger


Aqui tens 
uma grande caixa
com o rótulo:
caixa.
Se a abrires,
encontrarás nela
uma caixa
com o rótulo:
caixa
tirada de uma caixa
com o rótulo:
caixa.
Se a abrires – 
agora me refiro
a esta caixa
não àquela –,
encontrarás nela
uma caixa
com o rótulo
etcetera;
e se continuares
assim,
encontrarás,
depois de infindáveis fadigas,
uma caixa
infinitamente pequena
com um rótulo
tão miúda
que, por assim dizer,
se evapora diante de teus olhos.
É uma caixa
que existe só na tua imaginação.
Uma caixa totalmente
vazia.


Tradução de Kurt Scharf e Armindo Trevisan

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Dias dias dias – Augusto de Campos e Caetano Veloso



“você radiografou a minha cabeça”
foi o que disse augusto de campos 
quando caetano gravou
em 1973
este “dias dias dias”
poema da série poetamenos 
[de 1953] 

e acrescentou  
“melhor diria: 
radiogravou... 
música-e-letra é o normal da canção popular
mas música-e-poema 
— comum na música erudita — 
é uma combinação esquisita 
no âmbito da canção popular. 
o que dick higgins chamou de 'intermídia' 
— conjunção de linguagens díspares. 
'mistura adúltera de tudo' 
— diria tristan corbière.” 

colo abaixo 
apenas o corpo do poema 
em tamanho maior do que o do vídeo

assim é possível ver mais claramente
o poema-partitura
e ver-ouvir de que maneira
o caetano trabalha
com esses sons-cores

essa radiogravação 
entrou essa semana por uma fresta da memória 
na minha cabeça 
quando a rike bolte me pediu para fazer
um telegrama poético

mesmo depois de tê-lo feito
devo dizer que o conceito de telegrama 
no limiar de onde estamos
continua sendo 
pra mim
ouvir esta radiogravação
do poetamenos

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Bicicleta roubada sequestrada – Cecília Pavón





Talvez a revolução esteja em seus corpos e eu não a veja

Essa é a história de uma bicicleta roubada
Sei apenas que perto do canal está o dono
ou a dona
Perto do canal,
perto de um canal
Mas esqueci o nome das ruas

Uma madrugada saímos depois de beber em um bar revolucionário
e minha bicicleta estava presa acidentalmente a outra
uma corrente se enredava por entre os cabos do freio e
a mantinha
sujeita a um poste
Todos iam embora
em táxis
em ônibus
em carros que estavam cheios
e eu não podia pegar minha bicicleta
tive que deixá-la ali

Se alguém a encontrar ali
vai quebrar o cadeado
e levá-la embora
mas de qualquer jeito era roubada
comprada por um preço muito baixo
no mercado de pulgas
ou em um quintal de fundos suspeito
de uma mulher imigrante
não se entendia muito bem o que ela dizia
mas de todo modo dizia:
“esta ser bicicleta minha velha”
“esta não ser roubo”

São três horas da tarde de um dia de verão com vento
As árvores que até agora estavam secas
movem-se extremamente carregadas
de folhas transbordantes de vida
Em vez de neve, fibras de pólen alongadas que voam
como insetos
Alguém prendeu sua bicicleta acidentalmente à minha
não sei se é um acidente ou um roubo
não sei se é um roubo ou se é a verdadeira dona
que sei que existe porque um dia se aproximou de mim em um parque

Eu não sou a verdadeira dona, eu a comprei
por este preço tão baixo
neste quintal
nos fundos
ou mercado de pulgas
de uma mulher com sotaque de estrangeira
de cabelos compridos e jeans gastos
que dizia
“não perigo, esta ser bicicleta minha passado”

Depois de conhecer a felicidade da bicicleta
Estar sem ela é como viver sem asas

Passavam os dias e a bicicleta seguia ali na ponte
o dono não vinha desatá-la, era verão, voava o pólen
manchado de sol
eu pedia bebidas que me faziam mal
como expresso
café
preto
sem leite
olhava para a bicicleta do outro lado da ponte e chorava

A bicicleta rosada presa
através do cabo do freio
por engano
à bicicleta celeste, oxidada, de um desconhecido

O sequestro da bicicleta roubada acontece
durante a única semana de sol do ano

As coisas grandes
as coisas raras
acontecem em momentos de decisão ou de loucura
por exemplo:
deixar seu país,
cortar o cabo do freio
com um alicate para liberar a bicicleta,
desfrutar
gozar
com o crime
quebrar a roda da outra bicicleta ou
jogar ácido no banco
Algo assim.

A bicicleta era a minha única fonte de diversão
Agora que está chegando o verão
e são poucas as horas de verdadeira noite
a bicicleta era a minha melhor,
minha única amiga
Sei que parece besteira
é até tão simples
mas passeando de bicicleta pela cidade
me sentia livre
a cidade era como uma paisagem
que eu podia ver de graça
passando a toda velocidade
pela janela de uma trem inter-city
só que a janela não tinha caixilhos
era uma janela sem limite
e rosada
uma janela com forma de bicicleta rosada
roubada
comprada de uma garota
que dizia “não ser perigo, não roubado, minha antes bicicleta”

Eu sabia que era roubada
mesmo assim comprei
Um dia em um parque chegou para mim
a verdadeira dona
uma mulher de uns trinta anos
e disse que aquela era sua bicicleta
mas eu a defendi com unhas e dentes
inventei uma história estranhíssima
complicada
com muitas etapas
de como essa bicicleta tinha
vindo de Paris de barco
pelo correio, desmontada
em uma caixa de papelão
enviada como presente por um ex-amante

Se me tiram a bicicleta
o que mais me resta aqui?
Sim,
há os cafés revolucionários
onde se discute o futuro do mundo
Mas nada
nada
pode se comparar
a ela.








Cecilia Pavón nasceu em Mendoza, Argentina, em 1973. Publicou dentre outros, Pink Punk (2003) e este, ao lado, Caramelos de Anís (2004), onde podemos ler o poema "Bicicleta roubada sequestrada". 
Cecília Pavón participa do coletivo Belleza y Felicidad, que faz edições e exposições, e vive em Buenos Aires. 

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Distâncias incomensuráveis II – Lu Menezes



Grã-estrelas quebradiças
esfarelam-se na noite armazenária de um céu
com dobradiças

Muito e pouco
distam das estrelas
e da lua terra-a-terra de strass
que sobre a mesa de um camelô o sol mela

A BBC sonhava com tudo o que eu – mas eu
só comigo sonhava! gritou o Souza pelo oniaudiente
megafone estrelado instalado em sua mente

Pela TV se vê 
que para atrair os índios, um espelho
foi deixado brilhando no matagal

Mas quem afasta
verdes feixes de elétrons
e penetra no vibrante capinzal distante

– sou eu –

índio trânsfuga que acha
a trânsfuga estrela no chão





Lu Menezes nasceu em São Luís e cresceu no Rio de Janeiro, onde vive atualmente. 
Tem 63 anos e publicou os livros O amor é tão esguio (1980) e Abre-te, Rosebud! (1996), de onde tirei este “Distâncias incomensuráveis II”.

Depois de quinze anos sem publicar – tempo incomensurável, que poderia ser medido em parsec por aqueles que desejam muito seus poemas – Lu Menezes presenteará seus leitores duplamente: a autora está com dois livros no prelo, ambos com títulos lindos. 

O primeiro, que será lançado nesta terça, 25, pela 7letras, é o Onde o céu descasca; o segundo, previsto para o começo de 2012, Fato puro e conto de fadas.

Além dessas novidades, seus leitores também podem se alegrar com a presença da autora neste fim de ano no festival Europália, na Bélgica, onde ela lerá seus poemas. Acima, colo a capinha do livro de estreia O amor é tão esguio, com projeto gráfico da própria Lu em parceria com Walter Duarte.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Alguns gostam de poesia – Wislawa Szymborska




Alguns – 
ou seja nem todos.
Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola onde é obrigatório
e os próprios poetas
seriam talvez uns dois em mil.


Gostam –
mas também se gosta de canja de galinha,
gosta-se de galanteios e da cor azul,
gosta-se de um xale velho,
gosta-se de fazer o que se tem vontade
gosta-se de afagar um cão.


De poesia – 
mas o que é isso, poesia.
Muita resposta vaga
já foi dada a essa pergunta.
Pois eu não sei e não sei e me agarro a isso
como a uma tábua de salvação.


Tradução de Regina Przybycien



A capinha acima – que poderia se chamar Uma xícara de café com Wislawa Szymborska – é do livro de poemas de Wislawa que acaba de sair pela Companhia das letras, onde pode-se ler este "Alguns gostam de poesia".

domingo, 16 de outubro de 2011

Dinheiro – Gertrude Stein


Todo mundo agora só tem que resolver. Dinheiro é dinheiro ou não é dinheiro dinheiro. Todo mundo que ganha e gasta todo dia para viver sabe que dinheiro é dinheiro, qualquer um que vota para que seja arrecadado como imposto sabe que dinheiro não é dinheiro. Isto é o que deixa todo mundo louco.

Era uma vez um rei e ele se chamava Luiz 15. Ele gastava e gastava e um dia alguém ousou falar com o rei sobre isto. Ah, disse ele, depois de mim o dilúvio, pra mim vai dar, então qual é a diferença. Quando este rei começou seu reinado, ele era conhecido como Luiz, o bem-amado, quando ele morreu ninguém nem ficou ali para fechar seus olhos.

Mas realmente o problema vem desta pergunta dinheiro é dinheiro. Todo mundo que vive disto todo dia sabe que dinheiro é dinheiro mas as pessoas que votam dinheiro, presidentes e congresso, não pensam assim sobre dinheiro quando elas votam. Eu me lembro quando meu sobrinho era um menininho ele estava andando num lugar e ele viu uma porção de cavalos; ele veio para casa e ele disse, oh papai, eu acabei de ver um milhão de cavalos. Um milhão, disse o pai, bem de qualquer jeito disse meu sobrinho, eu vi três. Isto veio a ser o que nós todos dizíamos quando qualquer um usava números que eles não podiam contar, bem de qualquer jeito, um milhão ou três. Esta é toda a questão. Quando você ganha dinheiro e gasta dinheiro todo dia qualquer um pode saber a diferença entre um milhão e três. Mas quando você vota gastar dinheiro não há nenhuma diferença entre um milhão e três. E todo mundo tem que resolver se dinheiro é dinheiro para todo mundo ou não é.

Isto é o que todo mundo tem que pensar um bocado ou todo mundo vai ficar muito infeliz porque chega a hora em que o dinheiro é votado, de repente, vira dinheiro igual ao dinheiro que todo mundo ganha todo dia e gasta todo dia para viver e quando essa hora chega todo mundo fica muito infeliz. Eu gostaria mesmo que todo mundo resolvesse sobre dinheiro ser dinheiro.

É muito difícil para qualquer um entender que dinheiro é dinheiro quando têm mais do que eles podem contar. É por isso que deveria existir algum tipo de sistema que dinheiro não fosse votado correndo. Quando você gasta dinheiro que você ganha cada dia você naturalmente pensa várias vezes antes de você gastar mais do que você tem e você geralmente não tem. Agora se houvesse algum acordo de que quando alguns votassem para gastar dinheiro, que eles teriam que esperar muito tempo e outros teriam que votar antes que eles votassem de novo para ter dinheiro, enfim, se houvesse algum jeito de fazer um governo lidar com dinheiro do jeito que um pai de família tem que lidar com dinheiro, se pudesse haver. O sentimento natural de um pai de família é que quando qualquer pede dinheiro para ele, ele diz não. Qualquer pai de família, qualquer membro de uma família, sabe tudo sobre isso.

Então ate que todo mundo que vota o dinheiro público lembre como ele se sente como pai de família, quando ele diz não quando qualquer um na família quer dinheiro, até esse tempo chegar, vai ter um bocado de problema e alguns anos depois todo mundo vai ficar muito infeliz.

Na Rússia eles tentaram  decidir que dinheiro não é dinheiro, mas agora devagar e certo eles estão voltando a saber que dinheiro é dinheiro.

Que você queira ou não, dinheiro é dinheiro e é isso aí. Todo mundo sabe. Quando eles ganham e gastam eles sabem eles realmente sabem que dinheiro é dinheiro e quando eles votam eles não sabem que é dinheiro.

Este é o problema com todo mundo, é muito difícil saber o que você sabe. Quando você ganha e gasta você sabe a diferença entre três dólares e um milhão de dólares mas quando você fala e vota soa tudo igual. É claro que é, seria para qualquer um e essa é a razão porque eles voltam e continuam votando. Então agora, por favor, todo mundo, todo mundo, todo mundo, por favor, dinheiro é dinheiro, e se é, deve ser a mesma coisa se é o que um pai de família ganha e gasta ou um governo, se não é, mais cedo ou mais tarde é um desastre.

Tradução de Suzana de Moraes  e Waly Salomão





Gertrude Stein [1874-1946] nasceu nos Estados Unidos. 
Gertrude Stein viveu mais de 40 anos na França. 
Gertrude Stein é uma escritora norte-americana. 
Gertrude Stein é Gertrude Stein é Gertrude Stein é Gertrude Stein. 
Esta tradução de "Dinheiro" foi publicada originalmente no extinto caderno Folhetim, da Folha de S. Paulo, n. 350, p. 12, no dia 09 de outubro de 1983. 
Embaixo da tradução vinha a seguinte nota dos tradutores: 
"do livro em preparação Gertrude Stein elementar"
livro que, infelizmente, nunca veio a  lume. 

sábado, 15 de outubro de 2011

A definição do segundo é mais longa do que o segundo – Nathalie Quintane






1. Muito branco iluminado em uma superfície plana pode ofuscar.

2. A matéria do quadrado é igual à matéria sobre a qual ele está desenhado.

3. Um quadrado sólido em rotação produz um deslocamento de ar.

4. Um quadrado sólido em translação se moverá mais se a superfície sobre a qual ele desliza estiver oleosa.

5. Apenas de modo ilusório pode-se entrar em um quadrado.

6. Um quadrado com cinco ângulos é uma visão do espírito.

7. O olho não se desloca harmoniosamente ao longo das linhas mas por solavancos seguindo sua órbita.

8. Não existe quadrado original.

9. O tempo que se leva para reconhecer um quadrado varia segundo cada pessoa mas raramente excede o segundo.

10. A definição do segundo (o segundo é a duração de 99.263.177 períodos da radiação correspondente à transição entre dois níveis hiperfinos do estado fundamental do átomo de césio 133) é mais longa do que o segundo.


ao traduzir esse poema 
da nathalie quintane
que li no site 
lembrei que traduzir 
é um modo de ler um texto 
com uma lupa
e lembrei que a interferência de gralhas e typos 
num texto 
pode mesmo mudar o mundo criado por aquele texto
lembrei disso hoje
mas afinal como fazer ao traduzir
será que é preciso consertar aquilo que se supõe gralha
ou será que é preciso incorporar o novo mundo que a gralha criou

a definição de segundo 
[que dura mais do que o segundo] 
é
segundo várias fontes na internet
[nem sempre confiáveis]
9.192.631.770 períodos da radiação correspondente à transição entre dois níveis hiperfinos 
do estado fundamental do átomo de césio 133

no poema da quintane
o número desses períodos aparece reduzido a 99milhões
será mesmo um typo 
ou o poema vive em um outro tipo de tempo? 
por via das dúvidas
mantive o número do original
mas deixo aqui essa observação-de-lupa

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Novas explicações: um problema da poesia – Nathalie Quintane










Nathalie Quintane nasceu em Paris, em 1964. Nathalie Quintane é uma poeta francesa. Nathalie Quintane participa de leituras e perfomances e publica também romances. Este Novas explicações, originalmente publicado na revista Action Poétique, saiu na Modo de usar & co. 2. Para ler mais textos da Nathalie Quintane em português, visite o blog da Modo de usar & co. ou o lindo livro Começo, publicado na ás de colete (cosac, 7letras).

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Gente na ponte – Wislawa Szymborska



Estranho planeta e nele essa gente estranha.
Sujeita ao tempo, não o reconhece.
Tem seu jeito de expressar seu desagrado.
Faz pequenas pinturas assim como esta:


Nada especial à primeira vista.
Vê-se a água.
Vê-se uma das suas margens.
Vê-se uma canoa forçando seu curso contra a corrente.
Vê-se uma ponte sobre a água e vê-se gente na ponte.
Essa gente claramente apressa o passo,
porque de uma nuvem escura
começou a cair uma bruta chuva.


A questão é que ali nada mais acontece.
A nuvem não muda a cor nem a forma.
A chuva nem aumenta nem cessa.
A canoa navega sem se mover.
A gente na ponte corre
no mesmo lugar de ainda há pouco.


É difícil passar sem um comentário:
Esse não é de modo algum um quadro inocente.
Aqui o tempo foi suspenso.
Deixou-se de levar em conta suas leis.


Foi privado da influência no curso dos eventos.
Foi desrespeitado e insultado.


Por causa de um rebelde
um tal Hiroshige Utagawa
(um ser que por sinal,
como sói acontecer, faz muito que se foi),
o tempo tropeçou e caiu.


Talvez seja só uma simples brincadeira,
uma travessura na escala de um par de galáxias,
em todo caso porém
acrescentemos o seguinte:


Tem sido de bom-tom há gerações
ter a obra em alta conta,
deslumbrar-se e comover-se com ela.


Tem aqueles para quem nem isso basta.
Ouvem até o barulho da chuva,
sentem as gotas frias no pescoço e nas costas,
olham a ponte e as pessoas,
como se lá também se vissem,
na mesma corrida que nunca termina
na estrada sem fim, eternamente à frente
e acreditam, na sua desfaçatez, 
que de fato é assim.


Tradução de Regina Przybycien 





terça-feira, 11 de outubro de 2011

blá-blá-blá – Olivier Cadiot


Os passageiros embarcaram/ o navio embarcou os passageiros
O céu escureceu/ as nuvens escureceram o céu

(1) A doente está perdida
(2) A bolsa foi perdida pela minha filha
(3) O mar está agitado

Pierre, encontrando
                                  ou Encontrando o que buscava, Pierre está feliz

Os olhos1 estavam voltados para ele, os olhos2 estavam voltados para ele... os olhosn estavam voltados para ele  Os olhos estavam voltados para ele


Eu faria qualquer coisa para qualquer um

                       O papel é amarelo

                                   Mas a sequência
                                                                O sol faz o papel amarelo
                                               torna-se:
                                                                O sol amarela o papel

Que Pierre esteja doente, eis o que causa um adiamento de meus projetos  Pierre doente, eis o que causa um adiamento de meus projetos

(Aquele que causa aflição em alguém, aquele que aflige)





A criança1 está doente, a criança2 está doente, ... a criançan está doente


                                                                                     O papel amarelou
                                                               resulta de:
                                                                                     O sol amarelou o papel

                                                                                             (eu quero) silêncio → silêncio!

É preciso viver aqui!

                                                                                            A mata não pode flutuar
                                                                                            Esse projeto não pode viver
                                                                                            Esses insetos podem machucar
                                                                                            Essa ideia não pode ser compatível 
                                                                                            com a minha

Eu quero que isso seja silêncio

                                                            [krwa]
                                                            [krwa]

Quando ele chegar, vou lhe dizer

Esconda-se atrás dessa rocha → Está vendo essa rocha, esconda-se atrás dela

Pierre, encontrando o que ele buscava, está feliz
Pierre, a encontrar o que ele buscava, está feliz

                                                                  Uma doença é curável
                                                                  Um doente é incurável

[...]




Olivier Cadiot nasceu em Paris, em 1956. Nos anos 90, coeditou, com Pierre Alféri, a Révue de Littérature Générale (cuja capinha abre esse post). Este blá-blá-blá é um excerto de L’Art poétic, seu primeiro livro de poemas, publicado em 1988, texto que encena uma espécie de tratado poético todo construído a partir de usos, frases e tics da língua francesa. Ao colar e listar enunciados comuns em um único texto, sua arte poétic vai produzindo um estranhamento na leitura e dando a ver, de forma muito bem humorada, as possibilidades e funcionamentos da língua. 

Na tradução, algumas nuances da língua de partida desaparecem, como o uso dos tempos compostos no francês (fazendo com que o EST, por exemplo, esteja presente em muitas frases, em tempos verbais diferentes, repetindo-se sem parar). No site da P.O.L. Éditeur podemos ler as primeiras páginas do L’Art poétic

Cadiot publicou também vários romances, como Futur, ancien, fugitif, com heróis diferentes em cada um deles, mas sempre chamados de Robinson, por poderem encarnar, com esse nome, um arquipersonagem, isso é, um personagem que constrói novas relações e novas histórias a partir dos escombros do seu mundo naufragado.